sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Fadiga

Estou cansada, tão cansada,
estou tão cansada! Que fiz eu?
Estive embalando, noite e dia,
um coração que não dormia
desde que seu amor morreu.

Eu lhe dizia: "Deixa a morte
levar teu amor! Não faz mal,
É mais belo esse heroísmo triste
de amar uma coisa que existe
só para morrer, afinal!"

"Deixa a morte...não chores...dorme!"
Noite e dia eu cantava assim.
Mas o coração não falava;
chorava baixinho, chorava,
mesmo como dentro de mim.

Era um coração de incertezas,
feito para não ser feliz;
querendo sempre mais que a vida -
sem termo, limite, medida,
como poucas vezes se quis.

O tempo era ríspido e amargo.
Vinha um negro vento do mar.
Tudo gritava, noite e dia,
e nunca ninguém ouviria
aquele coração chorar.

Uma noite, dentro da sombra,
dentro do choro, a sua voz
disse uma coisa inesperada,
que logo correu, derramada
num silêncio fino e veloz.

"Meu amor não morreu: perdeu-se.
Ele existe. Eu não o quero mais".
O choro foi levando o resto
Eu nem pude fazer um gesto,
e achei as horas desiguais.

E achei que o vento era mais forte,
que o frio causava aflição;
quis cantar, mas não foi preciso.
E o ar estava muito indeciso
para dar a vida a uma canção.

A sorte virara no tempo
como um navio sobre o mar.
O choro parou pela treva.
E agora não sei quem me leva
daqui para qualquer lugar,

onde eu não escute mais nada,
onde eu não saiba de niguém,
onde deite minha fadiga
e onde murmure uma cantiga
para ver se durmo também


(Cecília Meireles)

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